sexta-feira, 7 de novembro de 2008

• flores no jardim

Hoje escreverei versos simples e absolutos
e ficarei com a sensação de ter escrito tudo
Poemarei todos os versos meus de amor
que ainda não foram derramados das ânforas
Cantarei todas as liberdades suspensas no ar
Içarei todas as velas levantarei todas as âncoras
Desfraldarei todas as bandeiras nos quintais

Hoje escreverei versos assim
guardados em frascos de almiscar e jasmim
Serei um sonho de poesia
caminhando pelas ruas depois de uma
tarde de chuva
Quero o cheiro da terra molhada
Quero poder segurar a tua mão
quando estivermos próximos do entardecer

Hoje escreverei versos para serem lidos
mansamente no frescor da alma pura
Estarei emigrando para o Norte
assim que alguém tocar o interfone
ou gritar pelo meu nome em vão
em janelas de sites saturados
Acenarei para todas as ilhas
Beijarei todas as faces que me amam
E ficarei com a sensação de ter dito tudo
Pois tudo será poético sem ética sem ártico
e meus versos serão feitos para você ler
e encostar a cabeça no cajueiro perto do cacaueiro
em pleno janeiro
pensando no calor que aquece os teus poros
e nas paradas que fizer quando tiver
que viajar de ônibus algum dia
E todos os dias serão teus e as chaves
guardadas no bolso sempre que as portas
forem trancadas

Hoje escreverei versos soltos desalojados desengarrafados
e andarei a pé procurando sempre idas e vindas
e lembrando de vez em quando
da Canção da Terra
falando de morte e fome
de sorte e sina e sino e pão
e terra e seca e homem

Quero sentar pelo livre ar e falar de Rimbaud
Falar de Drummond, Buda e Juscelino
Quero sentir as mãos puras do menino
Correr pelo jardim secreto
Citar Renato e questionar o futuro da Legião
Lembrar do Pequeno Príncipe
Olharei no teu olho
e molharei meu pensamento
numa xícara de porcelana chinesa
com chá de hortelã e pitadas de canela
Guardarei o relógio sempre em minha mão
e ele nunca mais conhecerá o meu pulso
Assim que a janela for aberta
quero olhar para Daniela
e falar de amor com torta de limão
em tempos de decadência
Quero respirar um beijo em tua face
e recitar Vinícius de Moraes
enquanto você estiver dormindo

E bem no meio do poema lhe direi agora
que estou escrevendo uma flor
para você cheirar e se fraganciar
enquanto estiver lendo
suas pétalas amareladas soltas ao vento
E então refletirei por cinco minutos
sobre tudo aquilo que escrevi
ou pensarei na foto que nunca tirei de ti
quando estava em algum lugar
pensando a palavra certa
para encaixar em sua redação sobre
qualquer letra de uma música de
Chico Buarque, ou Djavan quem sabe

Hojei escreverei versos nascidos ao acaso
sentado em casa de caso com um ocaso qualquer
Não quero os Mares de Camões
nem o Inferno de Dante
ou os Moinhos de Quixote
Quero apenas estes versos
e chamarei Caetano a ver as borboletas
batendo as asas sobre o Tempo
Quero escrever poemas à luz de velas
em papiros marcados pela cera
Poemarei sobre silêncios distantes
pendurados em altas torres

Hoje estarei vivo em palavras
e falarei pelas bocas de todos
e todos ouvirão minhas preces
minhas prosas meus cantos
Não quero gestos escorregadios
nem caretas enigmáticas nem versos gritantes
Estarei cantando seus olhos
serei simples em espírito e verso
para hoje escrever
cartas de amor e panfletos revolucionários
que serão recitados por um anônimo
sentado em um banquinho alto
no meio de um salão
varrido por amplas janelas
Sua voz será um sussurro
E eu estarei silencioso e vivo
escorregando na melodia de um violino
Silencioso e vivo
pulsando um entardecer cheio
de poesia latente
Uma poesia que algum dia
sentirá vontade
de me escrever em vida
simples solta e absoluta.

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